quarta-feira, 13 de maio de 2009

A ilha da Cinderela

Carregava nas costas uma abóbora pesada, rachada e escondida quando no caminho te encontrei, debaixo de um puro instante azul com um sol distante a travar a aliança.
A principal rua da ilha era estreita, as casinhas já não tinham cor apenas se via ali e acolá alguns graffitis de bonecos com a boca maior que as pernas, a tapar as paredes pesadas. Respirava um ar baço, pouco expansivo, parecia melaço. Trazia unicamente na mão um búzio perfeito por onde ainda ouvia o mar a ressoar.

E eis que subitamente o vento sul abre esta janela e faz, com a sua corrente, tombar os frascos de perfume vazios dispostos no sopé do espelho redondo que tanto me procurou sem me encontrar. Assim te recebi quando chegaste à ilha, as portas de entrada eram muito altas mas mesmo assim pareceste-me “tão grande” que receei que dali não fosses passar. Dei-te a conhecer um pouco da ilha e foste o hóspede que cedo conseguiu acalmar a ondulação revoltada do mar.

Dancei descalça Bossa-Nova, em cima dos teus pés e aproximei-me do teu reflexo mesmo antes de te ver a imagem. Senti-me aquela que calçou finalmente os sapatos de cristal e que chega à festa com o galopar de cavalos! O peso que carregava passou a ser o veículo que me transportava, enfiada num vestido beje a roçar no chão, para um salão de luzes que me focavam quando estava mais próxima de ti...

Sempre que os dias terminam, caio suavemente no chão da noite e já não sinto o mosaico gelado que sempre me abraçava antes de adormecer. Contigo volto a ter o gosto de aperfeiçar o cesto de fruta no centro de mesa e começo a arrumar os cartoons envelhecidos, secos e abatidos que os meus lápis criaram.

Quero decorar de novo o espaço com os meus papéis e os teus pastéis. Não quero perder o sapatilho ao ouvir as doze badaladas, quero sentir-te mais vezes, aqui pela ilha.

1 comentário:

  1. Contos de fadas, cinderela que larga sapato de cristal, homens que são ilhas, partilhas, egoismos... Salada mediterrânica de ingredientes saudaveis, ricos, intensos, espantosos ao olhar e magnificos no sabor. Eis o jogo mental proporcionado por estas frases!

    ResponderEliminar