terça-feira, 28 de abril de 2009

Os (M)EUS

Disponho as cadeiras em círculo para uma reunião de confrontações entre os meus “eu´s”. Entrar nesse grupo constituía para mim uma das “dúvidas”mais incómodas que já encontrei. Antevejo um conjunto de momentos que devo enfrentar: 1) eu preparando-me para a entrada, 2) eu já em grupo, 3) eu dominada pelo contexto e por fim 4) eu no momento de reflexão.
Cansada de esperar por opiniões alheias sobre mim, entro agora num plano de auto-instrução a convite da minha própria pessoa para angariar argumentos na tese “Conhece-te a ti mesma”.

O olhar para dentro da pessoa que me tornei, com negações, transferências, compensações, agrava sobremaneira qualquer tentativa minha de auto-análise, já que os anos me salpicaram de mecanismos de fuga. É nesta dramatização de “cadeiras vazias”, entre pensamentos racionais e irracionais que se sentam os “eu´s” convidados para a reunião. Estou preparada para entrar (1º momento).

Já em grupo, auto-observo o EU PACÍFICO, que fala com uma voz suave, com um ritmo divino, soltando histórias que todos ouvem com atenção. A sua linguagem é cuidada e as suas palavras expressam generosidade, bondade e delicadeza. Quem o ouve agarra-se à cadeira, para não cair na tentação de o abraçar. Bondoso como é, logo se cala para deixar falar o EU IMPULSIVO que não resistindo ao momento, teima em agir por dificuldade em adiar recompensas. O EU IMPULSIVO diz o que lhe vem a cabeça durante um minuto, não exige muito mais, só quer desabafar o que sente mas vê-se vencido com derrota, antes de se calar entende que deve passar a palavra de novo ao EU PACÍFICO que tudo sabe amenizar e tem o dom de saber esperar gratificações… (2º momento)

Contínua então o EU PACÍFICO a falar pausadamente sobre estratégias que utiliza para controlar consequências. Indirectamente, confronta o EU IMPULSIVO direccionando o seu discurso para os processos de auto-reacção alegando que só aumentam a probabilidade de comportamento controlado se forem positivos. O EU IMPULSIVO baixa a cabeça e finge ficar a pensar sobre isso.
Intervém então o EU DIVERTIDO, aquele que utiliza a boca para fazer sons rítmicos e com os braços faz “break dance”. O rosto sério dos participantes sofre uma repentina transformação, com o EU DIVERTIDO a representar todos sorriem e esquecem por momentos quem são, mas a festa sempre acaba mais cedo que o previsto e a apatia acaba por vencer a dinâmica deste eu. “ Hum...elevação do humor e do nível de energia e actividade e rebaixamento do humor... Bipolar…” Diagnostica de imediato o EU CLÍNICO.
O silêncio apodera-se do círculo e só é quebrado quando o EU SONHADOR começa a admirar no momento de pausa, o voo da gaivota. Todos olham para cima mas nenhum dos outros consegue ver a gaivota. Sente-se sozinho na contemplação do céu, viaja nos seus pensamentos ate que o EU REALISTA lhe diz com uma voz firme e monocórdica “Acorda, sonhador”. Munido de evidências e lógicas, descarta qualquer possibilidade de alguém conseguir ler nas entrelinhas mais do que as palavras significam no dicionário, diz-se de pés assentes no chão e rejeita a ilusão, o abstracto e o surreal. Acredita no que apenas os olhos vêm e entra em discussão acesa com o EU CLÍNICO chega mesmo a ser agressivo quando afirma que este último só serve para ensinar princípios que levam os outros a ultrapassar as dificuldades que sentem mas que para si próprio se torna inútil. O EU CLÍNICO responde com brevidade porque sente que mais do que possa dizer ultrapassará o aceitável e essencial, diz então com firmeza que se conseguir com algum preceito libertar alguém das suas dificuldades, já valeu a pena porque o dever estará cumprido. Estavam todos dominados pelo contexto (3º momento).

Após comungar de mais uma série de ideias e ideais, novo momento de silêncio se instala e nas reticências do mesmo, se encerra mais uma reunião que permanecerá inacabada, porque as personagens continuarão a ser as mesmas, as cadeiras terão a mesma disposição, os lugares ocupar-se-ão de forma viciada como se tendencialmente aos ocupantes já pertencessem e porque embora a discussão seja de comportamentos mal-adaptativos, só dessa forma se assegura a continuidade destes encontros de “ Meus Eu´s”.

Todos se despedem uns dos outros, o DIVERTIDO sai da sala em duplos saltos mortais enquanto que o PACÍFICO com a sua simpatia congénita, mostra a sua cordialidade acompanhando todos à porta, exibindo a sua capacidade dialéctica sempre dentro dos limites do respeito integral pelas opiniões dos demais.

Antes de ver o IMPULSIVO a dar um murro na porta do carro porque se esqueceu das chaves na sala, O CLÍNICO cumprimenta os elementos ainda presentes no recinto estendendo a mão para não dar azo a qualquer tentativa de aproximação, vive com a ética ao pescoço e faz questão de manter a distância terapêutica. O REALISTA retira-se com a cabeça um pouco mais levantada que os demais mas um pouco mais sôfrego pela consciência que o assalta de forma persistente e até cruel.
Foi o PACIFICO quem mais reflectiu no momento final (4º momento). Foi o ultimo a sair da sala, porém foi o SONHADOR, aquele que foi mais longe e que a sonhar disse:

“ Hoje eu vou adormecer em paz”.

1 comentário:

  1. Num círculo que não é o meu, ouso sentar-me numa cadeira, para do alto da minha pretensiosa posição proferir que falta moderação; moderação em cada um dos "eu" e nos extra "eu". Aceitem-se como complemento do mesmo círculo e sirvam o propósito maior do vosso EU íntegro e uno, assumam definitivamente o vosso papel de Yin Yang, ao invés de errarem como espíritos desprendidos do corpo...

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